Você já pensou o que aconteceria com o Bitcoin se a internet do mundo inteiro fosse desligada?

Os céticos adoram argumentar que o Bitcoin depende da internet e, se um dia houver uma catástrofe ou os governos se unirem em uma tirania planetária e decidirem desligar a internet do mundo, estaria tudo perdido para o Bitcoin.

Mas, será que é possível realizar transações de Bitcoin sem acesso à internet?

A resposta surpreendente é sim, e este artigo vai explicar como isso é possível.

O mito da dependência da internet

Muitas pessoas acreditam que o Bitcoin, sendo uma moeda digital, é completamente dependente da internet. Isso é parcialmente verdade, pois a maioria das transações de Bitcoin acontecem online, através de exchanges, carteiras digitais ou outros métodos de pagamento baseados na web.

No entanto, isso não significa que as transações de Bitcoin não possam ser feitas offline.

No Bitcoin, uma transação não é mais do que a transferência de propriedade de bitcoins de uma carteira para outra. Assim, essa transação é representada como um registro de dados que é transmitido para a rede Bitcoin, onde é confirmada pelos mineradores e adicionada ao blockchain.

Embora a maioria dessas transações seja transmitida pela internet, isso não é estritamente necessário. Portanto, o que realmente importa é que a transação chegue aos mineradores de alguma forma.

Transações offline de Bitcoin: como funcionam?

Ao contrário do que muitos pensam, no mundo sem internet o Bitcoin não seria inviabilizado. Isso ocorre pois existem algumas maneiras diferentes de propagar uma transação Bitcoin offline, cada uma com suas respectivas vantagens e desvantagens.

Transações Assinadas Offline

A primeira e mais comum maneira de fazer uma transação Bitcoin offline é através do que é conhecido como “transação assinada offline“.

Nesse processo, a transação é criada e assinada digitalmente em um dispositivo que nunca se conecta à internet, protegendo-a de possíveis invasores.

Uma vez que a transação é assinada, ela pode ser transferida para um dispositivo conectado à internet e enviada para a rede Bitcoin. Isso pode ser feito através de uma unidade flash USB, por exemplo.

Para realizar transações assinadas offline, são utilizadas carteiras específicas, como as chamadas carteiras de hardware ou carteiras de papel.

Transações via Radio

Outro método é o uso de transmissões de rádio para enviar transações Bitcoin.

As ondas de rádio são um tipo de radiação eletromagnética que possuem comprimentos de onda mais longos que a luz infravermelha.

Para realizar transações via rádio, é necessário um dispositivo especializado que possa se comunicar com outros dispositivos por meio de ondas de rádio. Os usuários podem criar as transações em um dispositivo offline, assiná-las com suas chaves privadas e, em seguida, transmiti-las para outros dispositivos através de rádio.

Esses dispositivos podem ser telefones celulares, computadores ou dispositivos específicos projetados para transações offline via rádio.

A história do Bitcoin e do rádio são muito parecidas, ambas são tecnologias que foram desenvolvidas a partir de contribuições de diversos pesquisadores até chegar na sua descoberta e formato atuais.

Vamos entender um pouco mais sobre elas.

História do rádio

A história do rádio começa com Faraday em 1831, descobrindo a indução magnética. Em 1887, veio Hertz com a propagação radiofônica, criando faíscas que atravessavam o ar e carregavam mensagens. Em 1896, Marconi iniciou a emissão e a recepção de sinais sem fio, e em 1897, Oliver Lodge inventou o circuito elétrico sintonizado, que possibilitou a mudança de frequência desejada. Foi um efeito borboleta científico para chegar no rádio que nós escutamos hoje.

Muita gente pode até achar que o rádio é ultrapassado e está sendo substituído por sistemas de streaming via internet, mas o rádio está sendo usado para enviar não só ondas sonoras, mas também mensagens criptografadas que contêm transações de Bitcoin.

Relação rádio e Bitcoin

Por mais que não seja tão comum usar ondas de rádio para propagar transações, desde 2014 bitcoiners testam o rádio como um sistema alternativo à internet para propagar envio e recebimento de btc.

O rádio seria uma forma alternativa de usar a rede, especialmente em situação de censura e autoritarismo de governos.

Em 2019 um experimento enviou bitcoin via rede lightning de Toronto no Canadá para São Francisco nos Estados Unidos usando ondas de rádio.

Quem fez isso foi Rodolfo Novak, brasileiro fundador da coinkite em parceria com a desenvolvedora e colunista da Bloomberg Elaine Ou.

Toda a operação foi arquitetada via twitter e muita gente comentou que bitcoin estava tornando o rádio hypado novamente.

Transação de Bitcoin via rádio por Rodolfo Novak

A ideia de enviar Bitcoin via rádio surgiu originalmente do Nick Szabo, inventor dos contratos inteligentes e do projeto tataravô do bitcoin, o Bitgold e da própria Elaine, que fez a transação com Rodolfo em 2019 e já tinha trocado uma ideia sobre isso com Szabo em 2017 na conferência Scaling Bitcoin em São Francisco.

Já naquela época se cogitava o rádio como uma ferramenta que poderia ajudar o Bitcoin a criar resistência à censura e a spliting attacks, uma forma de ataque à rede.

E aí chegaram os brasileiros na história.

Bitcoiners brasileiros

Em 2021 cinco bitcoiners brasileiros usaram rádio amador para rebater dados na superfície da lua e receber de volta na Terra, uma técnica conhecida no rádio amadorismo como E.M.E (Earth – Moon – Earth) ou Moon Bounce.

Moon Bounce (técnica)

Eles retransmitiram, em código Morse, o hexadecimal de um arquivo PSBT de uma transação multisig de Bitcoin para ser assinada em outro estado do Brasil e replicada na rede, a fim de ser minerada.

Transação multisig de Bitcoin em BH e Campinas

Foram três meses de preparação para realizar a transmissão, pois tinha que ser em um momento específico chamado “lua rosa“, quando a lua fica mais próxima da Terra.

A transação saiu de Belo Horizonte para Macacos, ambas em Minas Gerais. Lá, a transação recebeu a primeira assinatura e foi captada por um rádio amador em Campinas (SP).

Recebido o arquivo de áudio, foi possível codificar novamente o morse para hexadecimal. Em seguida, do hexa para binário novamente e processar o arquivo PSBT na carteira Electrum, fechando a última assinatura pendente.

Há barreiras inerentes ao rádio?

Apesar do uso do rádio ser uma ótima ideia, existem algumas barreiras que são inerentes do rádio e não do Bitcoin.

Por mais que o rádio pareça ser uma alternativa à internet, há varios entraves.

O sistema de rádio é totalmente regulado, há um licenciamento e restrições para que qualquer pessoa use uma frequência de rádio. Tem até um orgão internacional  chamado União Internacional de Telecomunicações ( ITU ), que define as regras de uso das ondas de rádio. Ou seja, são sinais que podem ser captados e reguladores podem ir atrás de quem os emitiu.

Nos EUA, por exemplo, a FCC declarou que é ilegal propagar criptografia através de rádio amador. Entretanto, não tem como impedir que uma pessoa envie sinais de rádio, assim como não tem como impedir que uma pessoa propague uma transação Bitcoin.

De qualquer forma, é importante desenvolver outras formas de propagar transações que não dependam da internet.

Atualmente, já são utilizadas redes mesh e satélites como alternativas para enviar Bitcoin sem a necessidade de acesso à internet. No entanto, é importante ressaltar que esses métodos estão fora do alcance da maioria das pessoas e apresentam alguns desafios. Apesar disso, eles demonstram que é possível realizar transações de Bitcoin sem depender diretamente da internet.

Transações via Satélite

A empresa Blockstream lançou uma rede de satélites que pode transmitir transações de Bitcoin para qualquer lugar do mundo, mesmo em locais onde a internet é inexistente ou inacessível.

Portanto, usuários só precisam de um computador e uma antena de satélite para receber as transações.

Embora ainda seja necessário acesso à internet para enviar transações para o satélite, esse método permite a recepção de transações de Bitcoin em áreas sem acesso à internet.

Como efetuar transações de Bitcoin via satélites?

Para realizar transações via satélite, os usuários precisam de uma carteira de Bitcoin compatível com satélite. Essas carteiras se conectam a redes de satélite dedicadas e permitem que os usuários enviem e recebam transações sem a necessidade de uma conexão com a internet tradicional.

A transação é criada offline e, em seguida, enviada para a rede de satélite através de um canal de comunicação bidirecional com um satélite em órbita.

O satélite, por sua vez, retransmite a transação para os nós da rede Bitcoin, permitindo que ela seja validada e incluída no blockchain.

Banner do Bitcoin Starter (Curso sobre Bitcoin)

Por que isso é importante?

A capacidade de realizar transações de Bitcoin offline tem várias implicações importantes. Em primeiro lugar, aumenta a acessibilidade do Bitcoin, permitindo que pessoas em áreas sem acesso confiável à internet possam participar do ecossistema Bitcoin.

Em segundo lugar, pode aumentar a segurança das transações de Bitcoin. Ao realizar uma transação offline, você pode evitar muitos dos riscos de segurança associados à internet, como ataques de hackers e malware.

Por último, mas não menos importante, a capacidade de fazer transações de Bitcoin offline aumenta a resiliência e a descentralização da rede. Mesmo se a internet fosse desligada ou censurada, as transações de Bitcoin ainda poderiam ocorrer.

Conclusão

Se pararmos para pensar, em uma situação em que o acesso à internet fosse cortado no mundo inteiro, o Bitcoin, com certeza, não seria a maior dor de cabeça que nós, como civilização, teríamos.

Muitos empregos acabariam, porque hoje boa parte das pessoas trabalham em empresas que são online e o nosso sistema de informação certamente colapsaria.

Assim, nós voltaríamos para um estilo de vida dos anos 80, ouvindo radinho a pilha e passando fax.

Espero que este artigo tenha ajudado você a dissipar o medo de que, se desligarem a internet do mundo, o Bitcoin acabe. De forma alguma isso ocorreria. Entretanto, seria, sem dúvida, um enorme desafio para a rede, assim como para o restante do mundo, mas o Bitcoin continuaria a funcionar utilizando outros meios de propagação. Embora ainda haja muitos desafios a serem superados, as transações offline de Bitcoin representam um passo importante em direção a um futuro inclusivo e não censurável.

Até a próxima e Opt Out!

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Carol Souza

Carol é uma das principais educadoras de Bitcoin no Brasil. Ela participou de seminários para desenvolvedores de Bitcoin e Lightning da Chaincode (NY) e é palestrante em conferências sobre Bitcoin ao redor do mundo.

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