Ao observarmos os índices de inflação, como o IPCA e o IGPM, podemos nos perguntar por que esses números frequentemente parecem subestimar a perda de poder de compra que experimentamos no cotidiano.

Este fenômeno não é exclusivo da economia brasileira, mas transcende fronteiras, destacando a imprecisão inerente na mensuração da depreciação das moedas fiduciárias.

Neste artigo, exploraremos como a manipulação desses índices, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, distorce a percepção da inflação, criando uma régua que não reflete verdadeiramente a realidade econômica.

Bora lá?!

Todo o conteúdo deste artigo é apenas para fins informativos, é de natureza geral e não considera ou aborda quaisquer circunstâncias individuais e não é um conselho de investimento, nem deve ser interpretada de forma alguma como consultoria tributária, contábil, jurídica, comercial, financeira ou regulatória.

Porque a forma de medir a inflação está equivocada?

Já percebeu que os preços nas prateleiras do supermercado, os boletos, a gasolina, a carne; tudo parece subir muito mais do que os índices de inflação refletem?

Além disso, você tem aquela sensação de que o IPCA ou o IGPM parecem estar muito aquém da subida de preços percebida na realidade do dia a dia?

Essa não é apenas uma sensação relacionada à economia brasileira; a mesma distorção ocorre em todas as economias globais, pois:

  • Os índices de inflação são imprecisos ao retratar a perda do poder de compra das moedas fiduciárias.
  • A manipulação na forma como os índices são mensurados acaba distorcendo a régua criada para medir a perda de poder de compra.

Temos vários exemplos no Brasil, Estados Unidos e em vários outros países de como, quando os preços começam a subir, o indicador é modificado, partindo-se do princípio de que o indicador “pifou”.

Mudanças na forma de calcular o índice de inflação nos EUA

Os americanos modificaram a metodologia de cálculo do CPI (Índice de Preços ao Consumidor), o indicador de inflação, pelo menos quatro vezes:

  • Na década de 1940,
  • Em 1970, quando Nixon fechou a conversibilidade com o ouro,
  • Na década de 1980,
  • E, posteriormente, durante o governo de Clinton em 1990.

Durante essas alterações, itens que estavam “distorcendo o índice de inflação” foram excluídos da métrica. Por exemplo, nos anos 70, a metodologia de cálculo do custo das moradias foi removida. Nos anos 90, Clinton modificou a equação do cálculo, alegando que o índice estava superestimando a inflação.

Será que o indicador estava, de fato, superestimando a inflação, ou passou a refletir o desequilíbrio real da economia e se tornou um inconveniente político?

Políticos não gostam de dados que apontem problemas em seus mandatos; por isso, o caminho mais fácil é modificar os dados e a forma como são produzidos. Afinal, como diz o ditado, “o que os olhos não veem, o bolso não sente“.

A manipulação dos índices de inflação tem efeitos a longo prazo, evidenciados no gráfico abaixo, onde o CPI de 1990 a 2021 ficou significativamente abaixo dos preços de vários produtos e serviços.

Gráfico que mostra que o índice de inflação não acompanhou a subida de preços

Ao longo dos últimos 30 anos, o índice de inflação não acompanhou a realidade da subida de preços.

Se os americanos não gastam consideravelmente com habitação, alimentação, saúde, educação e transporte, então o CPI pode ser considerado útil para medir a inflação. Caso contrário, é uma métrica falha que não reflete a realidade.

Quando os “ajustes no CPI” excluíram preços de alimentos e energia, mesmo sendo voláteis, o índice deixou de transmitir informações sobre o aumento de preços para as pessoas que fazem parte da economia.

O gráfico abaixo apresenta em azul a inflação americana caso o cálculo não tivesse sido alterado ao longo do tempo e em vermelho o cálculo atual.

Gráfico da inflação americana, caso ela não tivesse sido alterada

Hoje nos EUA, o CPI representa apenas um terço do aumento de preços. A inflação real é muito maior, 70% maior!

Modificação dos índices de inflação no Brasil

No Brasil, há diversos índices de inflação, sendo o mais amplamente utilizado o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), criado em 1979 para mensurar a variação dos preços de uma cesta de produtos e serviços consumidos pela população.

O IPCA leva em consideração uma cesta média de produtos e serviços determinada pelo IBGE em 11 das principais regiões metropolitanas do país, abrangendo aproximadamente 30 mil estabelecimentos comerciais. Seu propósito é indicar a variação do custo de vida médio mensal de famílias que possuem renda mensal entre 1 e 40 salários mínimos.

A coleta de dados ocorre por meio de uma pesquisa realizada entre o 1º e o 30º dia de cada mês em diversos tipos de lojas e empresas que prestam serviços.

Assim, cada item possui um peso dentro do índice de inflação, buscando refletir o percentual de consumo no orçamento da população. Alimentos, por exemplo, são considerados de primeira necessidade, enquanto roupas e artigos domésticos têm um peso menor por serem considerados não essenciais.

Pesos de todos os grupos do IPCA

Entretanto, tanto o IPCA quanto outros índices de inflação do passado têm um histórico de modificações quando a realidade e a elevação de preços se tornam inconvenientes.

Nos anos 70, para não revelar que a inflação estava nas alturas, os políticos da época utilizavam alguns truques. Naquele período, o Ministro da Fazenda, Delfim Netto, abastecia a cidade do Rio de Janeiro, onde os preços dos alimentos eram coletados para o cálculo do índice oficial.

Ou seja, ele aumentava a oferta de alimentos para que os preços caíssem localmente ou, pelo menos, evitassem a subida. Tratava-se de uma forma de manipular preços mediante a manipulação da oferta de produtos. Ele alega que foi um “controle da oferta” e algo totalmente legítimo.

Expurgo

Além desse método, outra estratégia para manipular indicadores é a remoção ou redução da participação do grupo de produtos ou serviços que impulsiona a métrica para cima, uma “técnica” conhecida como expurgo.

Nos anos 1980, o expurgo foi aplicado nos índices de inflação. Em 1983, o Ministério da Fazenda retirou subsídios que barateavam o trigo e derivados de petróleo. Além disso, secas e enchentes afetaram a safra daquele ano, intensificando a pressão sobre o aumento de preços. A inflação ultrapassou 100% apenas naquele ano. Diante dessa situação, a FGV, responsável pelo índice oficial de inflação na época, calculou o impacto desses efeitos e, durante três meses, divulgou duas versões dos resultados. Uma versão chamada “índices ajustados”, na qual o trigo foi excluído do cálculo, e outra versão com o índice antigo.

Economistas defendem que esse tipo de intervenção na oferta não ocorre mais nos dias atuais, mas a manipulação dos índices de inflação continua presente.

Mudança IPCA (2020)

Em 2020, o IPCA foi modificado pela quarta vez em 25 anos, pois os gastos com transportes se tornaram o principal componente do índice, ultrapassando o item com maior peso: as despesas com alimentação e bebidas. Isso se deve ao aumento do preço da energia, do petróleo e da gasolina, que teve uma elevação considerável e acabou afetando e distorcendo o índice.

Então, o que foi feito? O índice foi modificado!

A participação do componente transporte foi reduzida, e o cálculo foi ajustado. Assim, categorias com menor aumento nos preços tiveram sua representatividade aumentada no cálculo.

Essa mudança foi embasada na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, que avaliou o peso de cada gasto dentro do orçamento das famílias brasileiras.

Até 2020, o cálculo do IPCA era baseado na POF 2008-2009, em que os alimentos respondiam por 22,1% do IPCA e passaram a representar 19%. Os transportes correspondiam a 22% e foram reduzidos para 20,8% do índice.

Mesmo com o ajuste no peso do componente transporte, ele continua sendo a categoria que mais impulsiona os preços para cima e influencia o índice.

O que é mais curioso é que as mudanças são propostas e feitas sem nenhuma ideia de como serão os impactos posteriores.

Isso fica claro no trecho final da pesquisa:

“Portanto, a incerteza em relação ao impacto da mudança na estrutura guarda correspondência com a própria incerteza em relação às projeções desagregadas de inflação.”

Não há certeza sobre as mudanças, nas projeções, o que levanta questionamentos sobre a própria validade dos índices.

Além disso, quando um índice falha, a solução é simplesmente criar outro! Isso ficou evidente em 2020-2021, quando o IGP-M subiu quase 50% no acumulado e foi substituído pelo IVAR (Índice de Variação de Aluguéis Residenciais) para medir o preço dos aluguéis.

Notícia sobre a substituição do IGP-M para o IVAR
Matéria 

A ascensão de quase 50% do IGPM em apenas dois anos soa os alarmes e revela a destruição do poder de compra, uma vez que a renda média do brasileiro estava abaixo do patamar de 2019, antes da pandemia.

Ou seja, é mais fácil mudar o índice do que mudar a realidade.

Esse tipo de “mudança” é mais frequente em países que perderam o controle sobre sua economia e enfrentam uma explosão inflacionária.

Em 2017, a Argentina também modificou seu indicador após controvérsias sobre manipulação de dados. Agora, estamos testemunhando novamente a Argentina com uma inflação superior a 100% em apenas um ano.

Notícia sobre o lançamento de um novo índice de inflação na Argentina, em 2017.

Manipular dados e indicadores não resolve o aumento de preços, apenas oculta o descontrole governamental.

Qual é a verdadeira causa do aumento de preços?

Na década de 1960, Milton Friedman afirmou que a inflação é “sempre e em toda parte um fenômeno monetário”, resultado da emissão excessiva de dinheiro. Atualmente, a criação de dinheiro não ocorre apenas por meio da impressão, mas também pela inserção digital de unidades monetárias na economia.

Economistas keynesianos discordam da teoria de Friedman, considerando-a equivocada por não levar em conta diferentes tipos de inflação. Friedman atribui o aumento de preços exclusivamente às impressoras governamentais, uma visão que é contestada por aqueles que culpam consumidores, produtores e produtos por meio de índices, desconsiderando os manipuladores do dinheiro.

A Correlação entre Expansão Monetária e Inflação

Ao observarmos períodos mais extensos, a correlação entre a expansão monetária e a elevação de preços torna-se evidente.

O gráfico abaixo representa a expansão do M2 nos EUA (base monetária) em comparação com a elevação dos preços medida pelos índices de inflação.

Gráfico que mostra a relação do CPI com o M2.

O CPI, indicador de inflação, responde de forma retardada à expansão do M2; ou seja, quando o FED emite mais dinheiro, a elevação do CPI tende a aumentar, e vice-versa.

Assim, a percepção de que os produtos e serviços ficaram muito mais caros do que os índices demonstram é real; é reflexo da concepção culturalmente aceita de que a inflação não é um evento monetário, está mais para um efeito comportamental de pessoas ou grupos que agem movidos pela ganância.

Na verdade, a elevação dos preços é um sintoma tardio da diluição da base monetária pelos bancos centrais, tornando o dinheiro cada vez mais fraco em relação a produtos e serviços.

Embora a ganância humana exista, ela, por si só, não causa inflação. A inflação ocorre porque os Bancos Centrais criam mais unidades de dinheiro, diluindo assim o poder de compra de toda a base monetária.

Isso é um evento global, como evidenciado pelo aumento médio de 50% na base monetária dos países do BRICS e do G7 desde 2019, conforme observado no gráfico abaixo.

Gráfico que mostra a expansão da base monetária (M2) dos países do BRICS.

Além disso, o gráfico abaixo mostra que os preços ao consumidor desses mesmos países se elevaram em média 18% no acumulado de 4 anos.

Gráfico que mostra que o preço ao consumidor dos países do BRICS também se elevou em média de 18%

Portanto, países que mais expandiram sua base monetária (M2), como Rússia, Brasil e Índia, são os mesmos que experimentaram maior elevação nos preços ao consumidor de 2019 a 2023.

Discrepância entre Expansão Monetária e Índices de Inflação

É importante notar que, geralmente, o índice de inflação não sobe na mesma proporção que a expansão monetária, indicando que a elevação do M2 antecede a subida dos preços ao consumidor.

Contudo, seria essa discrepância devido à manipulação na geração dos índices? À medida que o índice revela o aumento de preços, o cálculo é modificado, subestimando assim o efeito da expansão monetária.

Por isso, uma abordagem mais eficaz para calcular a inflação é considerar a inflação pessoal, alinhada ao custo de vida de cada pessoa. Visto que cada indivíduo percebe de maneira diferente os impactos do aumento de preços em seu orçamento e poder de compra, de acordo com seu padrão de consumo.

Ao realizar esse cálculo, é comum perceber que, na prática, a perda de poder de compra pode atingir de 10% a 20% a cada ano.

Infelizmente, a maioria das pessoas não experimenta um aumento salarial correspondente para compensar essa desvalorização, uma vez que os aumentos estão atrelados a índices de inflação que não refletem adequadamente a real diluição do poder de compra.

Portanto, para calcular a perda de poder de compra de forma mais precisa, o indicador mais apropriado seria o próprio M2, que mensura a inflação monetária.

Apesar de as “modificações” nos indicadores (CPI / IPCA) pelos governos não serem consideradas ilegais, elas, de alguma forma, alteram nossa percepção da realidade e impactam as decisões tomadas por pessoas, mercados e empresas diante de eventos econômicos.

Isso influencia diretamente a leitura da realidade econômica.

Se a base monetária, o dinheiro, pode ser manipulada, os dados que medem esse impacto também podem!

Com dados irreais, nossa régua para medir a realidade é quebrada, e nossas decisões podem ser induzidas ao erro por uma atenuação dos fatos. Isso deixa as pessoas extremamente expostas e incapazes de se proteger dos problemas econômicos.

É apenas questão de tempo até que os índices usados atualmente percam a relevância ou caiam em desuso, assim como aconteceu com várias outras métricas do passado.

Investidores e, na verdade, qualquer pessoa que perceba que está empobrecendo, terá que escolher entre duas situações:

  • guardar seu dinheiro em ativos correlacionados à moeda fiduciária e assistir seu poder de compra derreter à taxa de expansão do M2 (10-15% ao ano),
  • ou podem manter suas reservas em um ativo digital imutável, previsível, com uma oferta fixa e resistente à inflação monetária.

Como Bitcoin resolve isso?

Ter ativos escassos que não sofrem inflação monetária ilimitada, que não podem ter mais unidades criadas mesmo com o aumento da demanda, é algo que protege contra a inflação monetária que corrói o sistema fiduciário.

Nesse sentido, o Bitcoin é uma forma de se proteger desse mecanismo que tem efeitos de longo prazo. Enquanto os índices de inflação tradicionais enfrentam diversas limitações, muitas vezes não refletindo de maneira precisa a realidade econômica, o Bitcoin se destaca como uma alternativa confiável.

Bitcoin, ao contrário do sistema fiat, é transparente, previsível e não muda seus parâmetros mesmo se o cenário ficar negativo. O Bitcoin segue com fundamentos sólidos, sem alterar suas propriedades. Isso é muito valioso frente a um cenário de incerteza sistêmica.

Espero que tenham gostado deste artigo, até a próxiam e OPT OUT!

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Escrito por
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Carol Souza

Carol é uma das principais educadoras de Bitcoin no Brasil. Ela participou de seminários para desenvolvedores de Bitcoin e Lightning da Chaincode (NY) e é palestrante em conferências sobre Bitcoin ao redor do mundo.

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