Você já se perguntou como as ações perdem para a inflação monetária? Bem, antes de qualquer coisa, ações são valores mobiliários, ou seja, títulos que conferem direito a voto e/ou a receber rendimentos derivados do lucro de uma empresa.

Assim, ao adquirir ações listadas em bolsas de valores, você torna-se sócio dessas empresas. Além disso, esses ativos são conhecidos por sua volatilidade, apresentando grandes valorizações, mas também estão sujeitos ao risco de falência ou má administração.

Neste artigo, demonstrarei que, embora as bolsas de valores possam parecer lucrativas à primeira vista, elas não acompanham a inflação monetária causada pelos bancos centrais. Ou seja, mesmo assumindo mais riscos, a valorização média tende a ficar abaixo da perda de poder de compra provocada pela expansão da base monetária.

Bolsa Americana Perde Para A Inflação Monetária do Dólar

Os Estados Unidos ainda são a principal economia global, têm a moeda de reserva de valor utilizada entre países e possuem, até então, a economia mais forte do mundo. É por isso que as empresas mais lucrativas do mundo, como Apple, Amazon, Tesla, NVIDIA, entre outras, estão listadas nas bolsas de valores americanas.

Consequentemente, as bolsas americanas tendem a ser as mais lucrativas globalmente em termos nominais.

Assim, ao analisar o gráfico do S&P 500, índice que inclui as 500 principais ações de empresas americanas, e ao descontar o CPI, índice que mede a inflação de preços, observa-se que o principal índice de ações americano apresenta um bom desempenho, mesmo após o ajuste pela inflação, com uma valorização de +77% nos últimos 23 anos.

Gráfico do S&P500

Contudo, os índices de inflação foram distorcidos ao longo do tempo e não refletem com fidelidade a perda do poder de compra. Eles ão uma métrica fictícia que subestima a realidade. Por isso, o ideal é medir a perda do poder de compra a partir da diluição da base monetária, utilizando o M2 como referência.

Portanto, quando aplicamos esse cálculo ao S&P 500, percebe-se que, em 23 anos, o índice mal conseguiu acompanhar a diluição da base monetária, apresentando uma performance percentualmente inferior à taxa de expansão da base monetária do dólar, mesmo registrando recordes em valorização.

O ponto de maior alta em performance em relação ao M2 ocorreu durante a bolha de tecnologia dos anos 2000. Desde então, o S&P 500 está -32% abaixo, considerando a diluição do poder de compra do dólar.

Gráfico do S&P500 e a inflação monetária (M2)
S&P500 Descontada a inflação monetária (M2) desde 2000

Esse tipo de análise mostra como, dependendo de como os governos medem a inflação, a diluição do poder de compra é mascarada, e ativos que deveriam recompensar acima da inflação raramente conseguiram compensar a velocidade com que o banco central expandiu sua própria moeda.

Veja que desde os anos 60 até agora, o principal índice de ações americano tem acompanhado a impressão de dinheiro pelo FED.

Gráfico que mostra o S&P500 e a diluição do preço do dólar, de 2022 à 2024.

Entretanto, esse não é um problema apenas na terra do Tio Sam, em outras economias, especialmente as mais fracas, a destruição do poder de compra dos ativos também é afetada. Contudo, a narrativa predominante é que as bolsas estão batendo recordes, e isso é o que parece importar, mesmo que a moeda esteja colapsando.

A bolsa americana absorve liquidez global. Desde 2008, o crescimento recorde do S&P 500 também coincide com a expansão monetária realizada pelos principais bancos centrais globais.

Hiperinflação e Bolsa do Zimbabwe

O Zimbabwe é um país que tem passado por hiperinflação ultimamente. A moeda colapsou a ponto de as notas de cem trilhões de dólares não valerem absolutamente nada.

nota de 100 trilhões de dólares do Zimbabwe
Nota cem trilhões de dólares Zimbabwe

Assim, a taxa oficial de câmbio da moeda do Zimbábue em relação ao dólar está totalmente defasada, como na maioria dos países que enfrentam hiperinflação. A “taxa do mercado negro” que as pessoas realmente usam é de aproximadamente 8 mil dólares do Zimbabwe para cada dólar americano.

Portanto, a estratégia para lidar com a inflação por lá é praticamente não ter dinheiro para desvalorizar.

À medida que as notas começam a ter seu valor nominal expandido, chegando a valores astronômicos, as bolsas de valores também sofrem a mesma distorção.

Veja só, o banco central do Zimbabwe expandiu em 3 trilhões de dólares sua base monetária, um aumento de mais de 6.000% desde 2020.

Gráfico que mostra mais sobre a hiperinflação no Zimbabwe

Contudo, os índices de inflação oficiais subestimam esses valores, de 2020 pra cá o índice que mede os preços de produtos e serviços ao consumidor (CPI) subiu “apenas” 1.400% (imagem abaixo).

Gráfico que mostra os índices de inflação oficiais do Zimbabwe
Zimbabwe M2

Assim como os preços de produtos e serviços explodem durante momentos inflacionários, o preço de ativos também tendem a subir. É a conhecida inflação de ativos, que não reflete a melhoria de fundamentos mas sim a deterioração do poder de compra da moeda local.

O índice de ações ZSE entrou em movimento parabólico no Zimbabwe (imagem abaixo), valorizou 800% YTD.

Gráfico que mostra a valorização da bolsa de ações do Zimbabwe
Bloomberg

O caso da Venezuela

O mesmo processo aconteceu na Venezuela durante seu período hiperinflacionário recente. A base monetária cresceu exponencialmente…

Base monetária da Venezuela (M2)
Base monetária Venezuela (M2)

Além disso, a pobreza chegou a 96% da população.

Notícia sobre o crescimento da pobreza na Venezuela
Fonte

Enquanto isso, a bolsa batia uma subida de mais de 80.000% em 2020.

Bolsa de Valores Venezuela
Bolsa de Valores Venezuela (IBC)

Nesta época, muitos investidores não sabiam o que estava acontecendo e por que a bolsa venezuelana não era considerada um ótimo investimento para capital exterior. Entretanto, a resposta é que em uma economia em hiperinflação, a inflação de ativos é um efeito colateral do colapso da moeda.

O grande paradoxo é que se você alocasse todo seu dinheiro nas ações venezuelanas nesse período, início de 2020, sua carteira teria uma valorização invejável de 80.000%, mas você ficaria muito mais pobre do que quando investiu.

Esse efeito fica claro no gráfico abaixo, que mostra como mesmo a bolsa venezuelana subindo desde 2021, quando descontada a inflação monetária, o índice perde 100% de valor.

E o pior, essa deterioração continua acontecendo; em 2023, a inflação acumulada já é maior que o índice de ações venezuelano ou que o dólar oficial por lá.

Inflação acumulada da Venezuela (gráfico)
Over The Hedge

Mas esse tipo de distorção não acontece apenas em economias em grave crise econômica; é algo inerente ao sistema financeiro e a todas as economias globais que dependem de um banco central determinando a velocidade com que o dinheiro novo entra na economia e, consequentemente, a velocidade com que o poder de compra é corroído.

No Brasil, não seria diferente, esse feito também é percebido…

Bolsa Brasileira Perde Para a Inflação Monetária

Apesar de o Ibovespa ter atingido máximas históricas e estar 197% positivo quando descontada a inflação de preços ao consumidor desde 95…

Gráfico que compara o desempenho da bolsa brasileira com o M2

Se descontarmos o M2 brasileiro do Ibovespa, principal índice de ações brasileiras, fica claro como o índice não acompanhou a perda do poder de compra e a diluição do real desde que ele foi criado em 94, estando 44% negativo.

Desempenho da Ibovespa, quando descontada a inflação monetária
Ibovespa descontada inflação monetária (M2)

Entretanto, a valorização é apenas um dos aspectos que atrai investidores para as bolsas.

Os dividendos pagos pelas empresas, a divisão de lucros, são outro motivo pelo qual investidores compram ações de empresas. Por isso, verificar se os dividendos pagos estão acompanhando a inflação monetária também é importante. Afinal, os proventos pagos podem ser diluídos mais rapidamente do que a velocidade com que as empresas distribuem lucro.

IDIV quando descontada a inflação monetária (M2)
IDIV descontado a inflação monetária (M2)

O IDIV é um índice de retorno total que reflete as variações nos preços e o impacto da distribuição de proventos pelas principais pagadoras de dividendos.

Assim, se descontarmos a diluição da base monetária, o M2, o índice está 16% negativo e tem se mantido negativo na maior parte do tempo. Ou seja, nem a valorização nem os proventos compensam a perda de poder de compra.

A maior discrepância aparece quando precificamos os índices de ações em ativos escassos como ouro ou Bitcoin.

Em relação ao ouro, a bolsa brasileira está mais de 60% negativa desde 97 e também 70% negativa desde 2008 (imagem abaixo).

Gráfico da Ibovespa quando comparado ao desempenho do Ouro
IBOV precificado em ouro

Isso quer dizer que quem preferiu comprar ações a comprar ouro nos últimos 30 anos tem mais chances de estar no negativo do que quem acumulou ouro ao longo desse tempo.

Um processo semelhante tem ocorrido com o Bitcoin. Por ser escasso, descentralizado e difícil de recriar, o Bitcoin tem se consolidado como uma nova reserva de valor e tende a ser usado como uma reserva de valor digital.

Portanto, desde que o Bitcoin começou a rodar em 2009, a bolsa brasileira perdeu 99,9% de valor quando precificada em Bitcoin.

Comparação do desempenho do Ibovespa, quando precificado em Bitcoin
IBOV precificado em Bitcoin

Como você pode ver, o Bitcoin teve uma valorização espetacular nos últimos 14 anos. Entretanto, para que essa análise não fique tão discrepante, vamos considerar apenas os últimos 3 anos de desempenho da bolsa brasileira em relação ao Bitcoin em reais.

Comparativo do resultado dos últimos 3 anos do Bitcoin com o Ibovespa
IBOV precificado em Bitcoin

De 2020 para cá, o Ibovespa perdeu quase 80% de valor em relação ao Bitcoin.

Portanto, tanto no curto, médio e longo prazo, as bolsas de valores perdem poder de compra em relação à diluição da moeda local e também em relação a ativos escassos, como ouro e Bitcoin.

Gráfico comparativo da valorização do Bitcoin com outros ativos, como: S&P 500, SPAC, Bonds, e mais.
Fidelity

O gráfico acima da Fidelity mostra como o Bitcoin (em laranja) performou melhor que empresas de diversos setores da economia americana desde 2020, num período de grande crise econômica, e, mesmo agora com a grande queda do bear market desse ciclo, o Bitcoin manteve a boa performance dos últimos 2 anos quando comparado com outros ativos e até as melhores ações globais.

Isso reflete como não é apenas em relação a ativos locais, em moedas mais fracas, mas também em relação a ativos das principais economias globais que o Bitcoin tem se saído melhor.

“Ah, mas Bitcoin acompanha os movimentos das ações, ele não é tão diferente assim!”

O Bitcoin tem sim acompanhado os movimentos de curto e médio prazo do mercado de ações, mas ele tem uma assimetria muito maior e essa correlação se perde em prazos de tempo mais longos.

É o que aparece na imagem abaixo.

Gráfico comparativo entre o desempenho do Bitcoin e das ações americanas
Bitcoin vs Ações

O Bitcoin tem performado muito melhor que as ações no longo prazo. Assim, quando ele sobe, ele sobe muito mais do que as ações e quando ele cai, tem cada vez mais investidores dispostos a comprar, não deixando o BTC voltar aos mesmos patamares de preço do passado. Ao contrário das ações, que quando caem muito de preço, podem representar a falência da empresa.

A correlação do Bitcoin com o S&P 500 em julho de 2023 voltou a zero, segundo levantamento da Pantera Capital.

O Bitcoin não tem correlação direta e duradoura com as taxas de juros, como os investimentos tradicionais (ações e renda fixa) têm. Portanto, os momentos de maior correlação foram de curto prazo e não se sustentaram com o passar do tempo.

Correlação do Bitcoin com o S&P
Pantera Capital

Além disso, o Bitcoin é transparente; qualquer pessoa pode verificar os dados, diferentemente das ações, que podem aplicar contabilidade criativa ou esconder rombos por décadas, como no caso da Americanas.

Bom, é importante mencionar que isso não quer dizer que você não pode ter ações ou que deveria vender as suas. Você pode sim montar a sua carteira da forma como você melhor entender e de acordo com a estratégia e tese de investimentos que você segue.

Aqui estão apenas alguns pontos importantes a serem considerados e tendências macro que devem guiar mudanças nas teses de investimento nas próximas décadas.

Lembre-se que teorias que se apoiam em entidades centralizadas intervindo e manipulando o dinheiro e os índices tendem a ser desacreditadas. Ou seja, vai ficar cada vez mais evidente que valor e tempo estão sendo destruídos através das políticas monetárias expansionistas.

A valorização crescente dos principais índices de ações nas últimas décadas tem sido reflexo das impressoras dos bancos centrais e não da produção ou crescimento recorde.

Além disso, criação ilimitada de dinheiro novo destrói valor da moeda e distorce tudo correlacionado à ela. Índices de bolsas parecem estar subindo, quando na verdade estão caindo constantemente em poder de compra na velocidade das impressoras.

Mas, a pergunta que fica é: até quando esse sistema aguenta?

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Carol Souza

Carol é uma das principais educadoras de Bitcoin no Brasil. Ela participou de seminários para desenvolvedores de Bitcoin e Lightning da Chaincode (NY) e é palestrante em conferências sobre Bitcoin ao redor do mundo.

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