Os Estados Unidos detêm a moeda que atua como reserva de valor global. Além disso, muitos países mantêm reservas em dólares e investem em títulos americanos, enquanto commodities (como petróleo) são compradas e precificadas em dólares no comércio internacional.

Devido a isso, as políticas monetárias dos Estados Unidos exercem uma influência abrangente sobre o mundo todo e têm impactos significativos sobre todas as economias, especialmente as mais fragilizadas.

Assim, desde 1971, quando o dólar perdeu sua paridade e convertibilidade em ouro, as decisões tomadas em Washington repercutem globalmente através do dólar.

Mas, então, como os EUA exportam inflação para outros países? Bem, é isso que veremos a seguir.

Por que isso importa?

O dólar está cada vez mais caro para o restante do mundo desde 2008, assustando economias em desenvolvimento e países emergentes em tempos de crise.

O DXY, índice que mede o valor do dólar em relação a uma cesta de moedas globais, tem ganhado força desde a crise do subprime.

DXY

Mas, por que o dólar se torna mais caro para todos os países?

Isso ocorre devido ao fenômeno conhecido como “flight to safety”, no qual, diante de crises, o mundo ainda confia no dólar e recorre a ele quando surgem instabilidades econômicas.

Com isso, nenhum governo possui a mesma confiança em suas políticas monetárias quanto a que o dólar oferece, e é por isso que ele continua sendo o padrão global predominante.

No entanto, esse privilégio extraordinário dos Estados Unidos, de ser um porto seguro e ao mesmo tempo a “impressora do mundo”, gradualmente esgota as economias, especialmente quando o próprio dólar enfrenta processos inflacionários.

Esse efeito é ainda mais pronunciado em países com moedas mais fracas.

Além disso, desde 2022, o Federal Reserve (FED) vem aumentando as taxas de juros na tentativa de conter o aumento dos preços, mas a persistente inflação e o aumento dos preços do petróleo estão deixando o mundo em alerta.

Notícia, por que o dólar está subindo?

Desde a crise de 2008, o dólar subiu quase 45% na média em relação a outras moedas, as ações dos EUA subiram 112% e as ações de empresas do restante do mundo caíram 10%, como você pode ver na imagem abaixo.

Comparação da subida do dólar e das ações americanas, com ações do restante do mundo após a crise de 2008

Como o dólar drena valor de outras moedas e economias?

Diversas teorias foram desenvolvidas para explicar esse fenômeno que se tornou cada vez mais evidente. Assim, teorias como a “Teoria Milkshake do Dólar” e a “Bola de Destruição do Dólar” ganharam destaque desde 2008, apontando os riscos associados a um dólar forte e inflacionário para o restante do mundo.

Isso se deve, em grande parte, ao fato de que o dólar e ativos americanos concentram uma demanda consideravelmente maior em comparação com outras moedas e ativos de outras economias.

Portanto, mesmo diante de uma expansão monetária que ultrapassou 40% desde 2020 (imagem a seguir), o dólar não perde valor na mesma proporção do que outras moedas.

Gráfico da expansão monetária dos EUA

Podemos comparar essa situação à Teoria da Relatividade de Einstein. Ou seja, quando dois corpos estão caindo com a mesma velocidade, eles parecem estar parados um em relação ao outro. No entanto, se as velocidades mudarem, ambos continuarão a cair, mas um deles cairá mais rapidamente do que o outro.

Esse mesmo princípio se aplica às moedas! O dólar é submetido à diluição pelo seu próprio banco central por meio da expansão da base monetária.

No entanto, devido à sua demanda superior em relação a outras moedas, ele tende a sofrer desvalorização a um ritmo mais lento. Nesse sentido, ele parece mais seguro, pois parece mais estável, mas na realidade está drenando liquidez de outras moedas ao camuflar a sua própria diluição.

Como os Estados Unidos exportam inflação para outros países?

O gráfico a seguir viralizou no twitter e ilustra a depreciação das moedas dos países do G-20 em relação ao dólar.

É importante observar que o bolívar venezuelano sofreu uma desvalorização de 99,99%, enquanto o real teve uma queda de 55% em relação ao dólar.

Surpreendentemente, mesmo moedas de países desenvolvidos experimentaram uma significativa depreciação em relação ao dólar em um período de apenas 10 anos.

Incrível, né?!

Depreciação das moedas dos países do G-20 em relação ao dólar
Charlie Bilello

Como você pode ver, todos esses países expandiram suas bases monetárias ao longo da última década, mas enfrentaram desvalorizações em relação ao dólar devido à falta de demanda global na mesma medida que a moeda americana.

Além disso, quando os preços de produtos de consumo global, como energia e commodities, são definidos localmente, os preços internos tendem a subir, levando os bancos centrais locais a agirem para conter os efeitos do aumento dos preços na conversão das moedas.

Isso significa que os Estados Unidos exportam o impacto inflacionário do dólar para outros países, e esse efeito, somado à própria expansão monetária realizada pelos bancos centrais locais, acelera a velocidade de degradação de outras moedas em relação ao dólar.

No fim das contas, o valor do dólar em relação ao ouro também é diluído e perde poder de compra, mas perde valor mais lentamente em comparação a outras moedas, que também têm essa degeneração mais acelerada em relação ao ouro.

Outro ponto a ser observado é que o DXY, que mede a força do dólar quando precificado em ouro, mostra como a moeda americana se valorizou em relação ao ouro em 1985, durante o Acordo Plaza, e nos anos 2000, durante a bolha das pontocom.

Nas últimas grandes crises, em 2008 e 2020, o dólar perdeu força em relação ao ouro e não teve a mesma valorização observada em 1985 e em 2000. Essa pode ser uma evidência da perda de força e confiança no dólar a partir da crise do subprime.

Elevação de juros

Outro efeito é que, quando os americanos enfrentam aumentos de preços internamente, o banco central muitas vezes eleva as taxas de juros na tentativa de “controlar a inflação”. Isso, por sua vez, fortalece ainda mais o dólar em relação a outras moedas.

Localmente, os bancos centrais frequentemente se veem elevando suas taxas de juros, o que, por sua vez, pode aumentar o endividamento, o desemprego e provocar recessões. Encarece a aquisição de itens essenciais e a importação de alimentos e combustíveis que são precificados em dólar em outros países. Essa dinâmica na qual o Federal Reserve (Fed) exporta a inflação acaba exercendo pressão sobre todos os países.

As consequências da rápida valorização do dólar ficaram mais evidentes nos últimos dias. O Japão, por exemplo, interveio na última quinta-feira pela primeira vez em 24 anos para sustentar o iene, que havia caído 26% em relação ao dólar.

O Reino Unido ilustra como as coisas podem sair de controle rapidamente. A libra esterlina atingiu uma mínima histórica em relação ao dólar após a implementação de medidas pouco convencionais, como grandes cortes de impostos e um aumento nos empréstimos, o que gerou alarme.  O desequilíbrio obrigou o Banco da Inglaterra a anunciar um programa de compra de títulos de emergência para tentar estabilizar os mercados, além de gerar um alerta do Fundo Monetário Internacional, que recomendou que o governo britânico repensasse suas políticas.

O sistema financeiro global se tornou uma verdadeira panela de pressão em 2023, com a falência de bancos americanos e o impacto da inflação nos Estados Unidos.

Recentemente, o Banco Mundial emitiu um alerta, indicando que o risco de uma recessão global em 2023 está aumentando, à medida que os bancos centrais de todo o mundo elevam simultaneamente as taxas de juros em resposta à inflação. Essa tendência também pode desencadear uma série de crises financeiras em economias emergentes.

Os impactos mais significativos podem ser observados em países que emitiram dívidas denominadas em dólares. Conforme as moedas locais se desvalorizam, o pagamento dessas obrigações torna-se mais oneroso, o que força os governos a reduzir gastos em outras áreas, enquanto a inflação prejudica os padrões de vida.

O Brasil, por exemplo, manteve suas taxas de juros em níveis superiores a dois dígitos, atualmente em 12,75% ao ano, como medida para conter a pressão inflacionária ainda presente.

A elevação do dólar em relação a outras moedas trouxe recordação dos anos 80, quando formuladores de políticas nos Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e Reino Unido anunciaram uma intervenção coordenada nos mercados de câmbio, conhecida como o Acordo do Plaza.

O Acordo do Plaza foi um pacto coletivo feito em 22 de setembro de 1985 com o objetivo de desvalorizar o dólar americano em relação ao franco francês, ao marco alemão, ao iene japonês e à libra esterlina britânica, por meio de intervenções nos mercados monetários. O dólar dos Estados Unidos sofreu uma depreciação significativa desde o acordo. Muitos acreditam que o Acordo do Plaza contribuiu para a bolha de preços de ativos no Japão no final dos anos 80.

A recente valorização do dólar e as preocupações dos bancos centrais têm levado a rumores sobre um possível novo acordo semelhante ao Plaza, conhecido como “Plaza 2.0”. No entanto, a Casa Branca resfriou essas especulações, indicando que essa possibilidade é improvável, pelo menos por enquanto.

Consequências

Como resultado desses eventos, adicionados às condutas de bancos centrais e decisões econômicas locais, surgem crises financeiras e o empobrecimento acelerado em países com economias mais vulneráveis. Temos testemunhado uma série de crises financeiras em países como Turquia, Líbano, Nigéria, Argentina, e outros países estão perdendo o controle sobre a inflação.

Bancos e empresas estão registrando perdas não realizadas em níveis recordes nos últimos 10 anos. O aumento das taxas de juros nos Estados Unidos está gerando um aumento no endividamento. Os bancos estão enfrentando perdas não realizadas substanciais e estão à espera de uma redução nas taxas de juros e de mais liquidez proveniente das impressoras do Federal Reserve (Fed). No entanto, a questão é se eles serão capazes de suportar até que que as impressoras sejam religadas.

Perdas realizadas de bancos e empresas nos últimos anos

O mundo agora enfrenta um cenário caracterizado por inflação elevada e taxas de juros mais altas. Tanto Powell quanto Lagarde mencionaram várias vezes a possibilidade de revisar a meta de inflação de 2% e considerar sua elevação. Geralmente, em períodos de inflação e taxas de juros mais elevadas, os ativos reais e escassos, tendem a superar os ativos financeiros, como ilustrado no gráfico a seguir.

Gráfico comparativo dos ativos reais com os ativos financeiros

Isso também significa que as estratégias de investimento populares atuais, como o portfolio 60/40, focadas em diversificação em renda fixa e variável pode perder a sua capacidade de proteger patrimônio no ciclo de instabilidade que vem pela frente. 

Como se proteger?

No cenário atual de incerteza, com empresas enfrentando falências e títulos de renda fixa lutando para superar a inflação, é provável que o perfil dos investidores mude, e os ativos tangíveis provavelmente se beneficiarão desse novo ambiente macroeconômico.

Essa mudança no comportamento dos investidores reflete um mercado caracterizado por incertezas que se assemelha mais aos cenários do século passado, anteriores aos anos 2000, quando o mercado de ações dos Estados Unidos tinha uma forte correlação com os títulos do governo.

Correlação entre ações americanas e títulos do governo americano
Tavi Costa

Após 45 anos, os títulos do Tesouro dos EUA agora apresentam um nível de risco superior ao do ouro, o que está redefinindo o conceito de “ativo livre de risco” e tornando as commodities menos arriscadas em comparação.

Volatilidade dos títulos americanos em relação ao ouro
Tavi Costa


A estratégia tradicional de investimento 60/40, que consiste em 60% de ações e 40% de títulos, teve uma era dourada nas últimas quatro décadas. Essa combinação proporcionou retornos ajustados ao risco atrativos e consistentes, muitas vezes iguais ou superiores ao índice S&P 500, mas com menor volatilidade. No entanto, os desafios enfrentados nesse novo ambiente estão relacionados aos retornos esperados para a estratégia 60/40 na próxima década, estimados em cerca de 6,2% ao ano, 3,9 pontos percentuais acima das previsões de inflação.

Ao longo das últimas quatro décadas, à medida que os rendimentos reais dos títulos de renda fixa caíram, as ações e os títulos se beneficiaram. A crença de que o Federal Reserve salvaria o mercado se disseminou, com a expectativa de que o banco central interviesse para garantir liquidez e controlar a volatilidade do mercado. No entanto, essa crença não é mais válida, uma vez que cada intervenção do Fed parece gerar mais instabilidade no mercado.

Em um cenário de alta inflação, os benefícios da diversificação por meio de uma combinação de ações e títulos podem ser reduzidos. À medida que os rendimentos nominais aumentam com a inflação, os rendimentos reais podem não acompanhar a destruição do poder de compra.

Estratégias que dependem exclusivamente de ativos tradicionais de renda fixa e variável tendem a ter um desempenho insatisfatório em ambientes macroeconômicos desafiadores. Pode-se dizer que 2022 foi um sinal de alerta para o portfólio 60/40, registrando o pior retorno na série histórica dos últimos 100 anos!

Desempenho de um portfólio 60/40 com ativos de renda fixa e passiva.

Em cenários macroeconômicos de crise e recessão, as estratégias de preservação de valor se tornam cruciais. Ao longo do tempo, o ouro tem sido o ativo de escolha como hedge contra crises sistêmicas, quando os ativos governamentais perdem credibilidade, como no exemplo da hiperinflação em Weimar.

O papel do Bitcoin

O Bitcoin está emergindo como uma evolução monetária e parte essencial desse novo ciclo macroeconômico, devido às suas características únicas que não são observadas em nenhum outro ativo do sistema financeiro tradicional.

Foi criado para resistir em situações adversas e tem se destacado em meio a crise de liquidez e dívida global, pois não possui vínculos com entidades bancárias ou governamentais. Qualquer pessoa interessada em preservar seu poder de compra começará a reconhecer os benefícios de adicionar uma pequena e equilibrada alocação de Bitcoin, mesmo em uma carteira tradicional de ações e títulos. Uma pesquisa recente da Bitwise demonstrou como a inclusão do Bitcoin em uma carteira aumentou os retornos sem aumentar o risco da carteira.

Uma alocação de apenas 5% em Bitcoin teria impulsionado o retorno acumulado da carteira para 144,68%, mais do que dobrando o retorno total de uma carteira tradicional.

Portfólio tradicional sem e com rebalanceamento em Bitcoin
Bitwise

Segundo a pesquisa, teve maiores retornos quem não rebalanceou portfólio, ou seja, quem não se desfez da sua exposição em Bitcoin desde 2014. Contudo, o portfólio apresentou muito mais volatilidade em relação a quem rebalanceou.

O Bitcoin, com mais de 10 anos de dados, demonstrou resiliência ao sobreviver e se fortalecer mesmo durante eventos como o crash do COVID em 2020, elevação de juros em 2022, Guerra da Ucrânia e as sequências de falências bancárias em março de 2023, em cenários macroeconômicos de crise. 

A cada dia que o Bitcoin continua a existir, ele se consolida como uma alternativa mais forte e necessária para preservar o poder de compra diante de mercados frequentemente manipulados e instáveis. Sua capacidade de resistência a crises econômicas e seu funcionamento independente de instituições financeiras tradicionais o tornam uma opção crucial para investidores que buscam proteção em tempos de incerteza.

O dólar acaba exportando sua inflação para moedas que dependem dele. Bitcoin não depende do dólar. Ao contrário das moedas fiats tradicionais, sofre o efeito oposto, tem se valorizado conforme o dólar e todas as outras moedas governamentais seguem derretendo.

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Carol Souza

Carol é uma das principais educadoras de Bitcoin no Brasil. Ela participou de seminários para desenvolvedores de Bitcoin e Lightning da Chaincode (NY) e é palestrante em conferências sobre Bitcoin ao redor do mundo.

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